Ana Bacalhau
Tenho bichos-carapinteiros. Também são carpinteiros, claro, mas, sobretudo, carapinteiros. Quando era miúda, ouvia os graúdos a apontar-me o excesso de energia e inquietação e, sem perceber nada de carpintaria, convenci-me que o que me diagnosticavam era um caso bicudo de bichos que cara-pintavam. Foi assim que tive a ideia de pintar um sorriso na cara para ninguém notar que algo me moía por dentro. Resultou e lá fui eu, vida fora, sempre com os meus bichos-carapinteiros a roer-me as entranhas. Houve um dia em que pediram um palco para si. Dei ao resultado deste trabalho de cara-pintaria o título de “Nome Próprio”. Para isso, contei com a preciosa ajuda de queridos e talentosos amigos, que entenderam tão bem aquilo que queria dizer. Não por acaso, a procura é um tema recorrente numa boa parte das letras que canto. Talvez os autores tenham percebido isso, quando falava com eles sobre o que pretendia cantar. De “Só Querer Buscar”, do Samuel Úria, a “Leve Como Uma Pena”, do Jorge Cruz, “Passo a Tratar-me Por Tu”, do Nuno Prata, “Respirar”, de Afonso Cruz, “ou “Vida Nova”, do Nuno Figueiredo, todas falam desta inquietação que é velha amiga e me empurra para avançar, apesar do medo. E não saberia contar a minha história de vida tão bem quanto a Capicua, que me entregou um pedaço de letra tão biográfico, em “A Bacalhau”, que parece que me conhece desde que nasci. Mas não queria que este trabalho reflectisse apenas o meu umbigo. Daí, ser tão importante poder continuar a dar voz a experiências que se podem dizer universais, como o “Ciúme”, de Miguel Araújo, a “Dama da Noite”, de António Zambujo e João Monge, “Maria Jorge”, da Márcia, “Morreu Romeu”, de Nuno Figueiredo, “Debaixo da Mosca”, do Carlos Guerreiro ou “Para Fora”, da Francisca Cortesão. E, finalmente, o medo maior. Escrever-me. As letras “Só Eu”, uma expressão que a minha avó materna usava e que me inspirou a escrever esta canção, tão bem musicada pelo Janeiro e “Menina Rabina”, também musicada por ele, que fala da menina que ainda vive em mim, criando mundos imaginários onde se esconde do mundo real. Finalmente, “Deixo-me Ir”, escrita e composta por mim, a falar sobre a importância que cantar tem na minha vida. Diz-se trabalho a solo, mas a verdade é que sozinhos nunca fazemos nada que importe. Dos músicos que se entregaram sem reservas à criação de um som que me reflectisse, ao produtor do disco, ao meu manager, à minha agência, director criativo e editora, família e amigos, que me deram o seu apoio incondicional e aos que seguem o meu trabalho e, de forma tão generosa, me oferecem a sua presença, as suas palmas, todos fazem parte do meu mundo e são as peças mais estimadas que possuo. A estima, o amor, as aparas de tristeza e alegria, transformei-os na música que poderão ouvir em “Nome Próprio”. Sinto-me feliz por ter conseguido aquietar os bichos-carapinteiros, ainda que momentaneamente. Percebi que não há razão para fugir deles. Há que abraçá-los e estimá-los e deixar que a sua incessante carapintaria me dê o fôlego de que preciso para cantar.
SÁB. 31 MAR – 21H30
AUDITÓRIO – M/06 . 15,00€